Com um extenso currículo e mais de 40 anos de carreira, Décio Soncini selecionou algumas obras dos seus últimos 12 anos de trajetória para contar mais sobre o seu olhar, além das criações que nascem através do que é encontrado por sua observação. Seus trabalhos que transitam entre o visto e o imaginado, telas que expõem tudo o que circula dentro do universo do pintor, agora podem ser observadas em sua exposição individual.
“O grande desafio não é ser artista, acredito que o maior desafio seja o do pintor em poder representar as coisas. É que no fundo, gostaríamos que as artes de maneira geral fossem fundamentais para o mundo melhorar. Isso de inspiração é meio que um mito, né? O ateliê é meu local de trabalho, quer eu esteja inspirado ou não, com uma ideia legal ou não, inclusive essas ideias legais são raras em toda profissão, a gente luta para buscá-las”, conta o artista que nasceu em São Paulo em 11 de fevereiro de 1953, se formou em Belas Artes no curso de desenho e artes plásticas, além de bacharelado em gravura, com término em 1974.
Sua obra é permeada de estilos que o fizeram ter um olhar diverso para a tela e também para o mundo, misturando registros com um toque de romantismo, fantasia e também a casualidade do dia a dia. Tudo isso começou bem cedo, com um presente vindo do seu pai: “Ganhei do meu pai, aos 12 anos, uma tela e alguns pincéis e, na realidade, pela tendência de toda família era pra eu ter me tornado engenheiro, já que meu pai e meus irmãos são, mas acabei optando por esse caminho mais difícil da pintura. Assim que me formei comecei a trabalhar como professor na rede estadual, isso foi por 4 anos. Sabemos que é difícil viver de arte no Brasil, sempre tive que ter uma atividade paralela”, ele diz.
O artista que viveu alguns anos em Joinville (SC) levou 39 pinturas para a exposição “Um dia, um olhar…”, no Museu da Escola Catarinense (MESC-UDESC), em Florianópolis (SC), exibindo uma variedade de temas na instalação. As telas escolhidas apresentam desde suas pinturas realizadas através de observações do cotidiano, até suas memórias de histórias vividas ao longo desses anos, em pequenos formatos e também grandes telas: “Fiquei em Joinville por alguns anos, tive uma atividade intensa com o pessoal da área cultural, depois voltei para São Paulo e trabalhei em ramos da comunicação, mas de uns anos para cá eu vivo de arte. Tenho parceria com a Galeria 33 que me auxilia em todo o processo de exposição. Periodicamente dou oficinas lá, onde encontro pessoas de formações diferentes e mostro técnicas de pintura”, conta o pintor que se considera paulistano, mas também joinvilense.
Embora o artista já possua uma estrada mista de traços e particularidades em sua carreira, essa exposição foi a estreia individual de Décio, que contou com a curadoria do crítico de arte Walter de Queiroz Guerreiro, também seu amigo. Na seleção apresentada ao público, o artista visual faz um apanhado da sua produção, exibindo obras com representações figurativas e um trabalho de linguagem extremamente pessoal, sempre se desafiando e envolvendo em suas telas uma nova maneira de trabalhar com técnicas de formas, espaços, cores, luzes e ritmos.
Sua proposta artística é batizada pelo crítico Walter de Queiroz como “O olhar circunvagante”, que lida com o entorno de forma atenciosa e na busca por conhecer detalhes do que o cerca, na intenção de entender e representar cada vez melhor o mundo, através da junção do pincel com a tinta. O artista que já mudou de casa algumas vezes, atualmente, reside na zona Sul de São Paulo, no bairro do Ipiranga, onde registra as paisagens do seu quintal e tudo o que atrai o seu processo criativo: “A minha carreira tem momentos diferentes, os anos 1980 foi um período de agitação cultural, meu trabalho tinha um viés mais expressionista e com a figura humana, depois, voltei para o interesse original que as paisagens, então a ideia é retratar o que há à minha volta, minhas proximidades, como se fosse o meu quintal”, explica Décio.
Mas seus traços vão além, passam pela percepção do que reside na memória e na sensibilidade que conduz o olhar, o que ao observar as telas podem ser uma incógnita, mas é onde é encontrada a essência do desenhista. E, de maneira vulnerável e habilidosa, Décio congela em suas pinturas muito do que há em sua história pessoal, faz uma costura familiar que mostra bambuzais que observava em um terreno ao lado, o ateliê, as demolições, o bosque do Museu do Ipiranga, a rua do bairro, o sapateiro e outras tantas particularidades que chamam a sua atenção: “Provavelmente eu não sou um artista contemporâneo, primeiro que é difícil saber o que é arte contemporânea, não é claro o suficiente o que será ser importante daqui a 50 ou 100 anos, assim eu vou tocando o barco, não sei até quando”.