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Última modificação dezembro 26, 2025

O que acontece com o corpo se não treinamos?

Veja o que a ciência diz sobre o destreino, pausa nas atividades motivada por lesões ou falta de tempo

Coluna Andreza Gonçalves Cansaço e excesso de trabalho são causas de pausas nos treinos. | Foto: iStock/Andrii Lysenko

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    Por mais dedicado que alguém seja à academia ou aos treinos de corrida, as pausas são inevitáveis, por razões como férias, lesões, excesso de trabalho ou a simples saturação mental, que fazem parte da rotina de qualquer pessoa ativa.

    Mas o que realmente acontece dentro do corpo quando o treinamento é interrompido?

    A ciência investiga há décadas esse fenômeno, que é conhecido como destreino, e os resultados são claros: o corpo começa a regredir muito mais rápido do que a maioria das pessoas imagina. A ‘queda’ começa mais cedo do que se pensa.

    Segundo estudos clássicos de fisiologia do exercício, as primeiras mudanças já aparecem na primeira semana sem treinar.

    Não se trata da perda instantânea da força ou massa muscular, mas de alterações internas: o volume de sangue circulante diminui, o coração trabalha com menos eficiência, e as enzimas responsáveis pela produção de energia são reduzidas. É o início silencioso de uma reação em cadeia.

    Força, massa muscular e condicionamento

    Se existe uma boa notícia, ela está na força. Pesquisas como as de McMaster e colaboradores (ver referências no fim do texto) mostram que pessoas treinadas conseguem manter boa parte da força por até duas a três semanas.

    Isso ocorre porque grande parte do desempenho de força depende do sistema nervoso, e ele é mais resistente à interrupção.

    Mas a massa muscular não tem a mesma sorte. Estudos de Staron e outros laboratórios demonstram que a redução da área muscular pode começar já na terceira semana.

    Em cerca de um mês, a perda média varia de 5% a 10%, dependendo do histórico do indivíduo. Com três meses de pausa, essa perda pode dobrar.

    O condicionamento aeróbio é o que mais sofre.

    Se a força demonstra resiliência, com o sistema cardiovascular é o oposto. Pesquisas apontam que o VO₂máx, principal marcador de condicionamento aeróbio, pode despencar até 10% nos primeiros sete dias sem treinar.

    Em quatro semanas, perdas de 15% ou mais não são raras, especialmente em atletas.

    A culpa é de uma combinação de fatores: menor volume sanguíneo, redução da capacidade do coração de bombear sangue e queda na densidade mitocondrial, as “usinas de energia” das células musculares.

    Outras consequências

    O destreino também afeta elementos menos óbvios. Tendões começam a perder rigidez após poucas semanas, o que prejudica a eficiência do movimento.

    Metabolicamente, há maior tendência à queda na sensibilidade à insulina, um efeito que costuma surgir após um mês sem estímulo físico regular.

    E não é só o corpo: a sensação subjetiva de esforço aumenta, tornando mais pesado voltar ao mesmo ritmo de antes. Isso mostra que a memória muscular realmente existe.

    Apesar de tudo isso, há um lado otimista. Estudos recentes mostram que o músculo “lembra” ter sido treinado. Essa lembrança, registrada em alterações no DNA muscular, facilita a retomada.

    Em outras palavras: quem já treinou volta à forma muito mais rápido do que quem está começando.

    Iniciantes perdem adaptações mais rápido; atletas preservam melhor sua estrutura neuromuscular, mas apresentam queda dramática no condicionamento aeróbio; idosos sofrem perdas mais aceleradas tanto de força quanto de massa muscular.

    O ideal, portanto, é manter até uma única sessão semanal de musculação com 1–2 séries por exercício, o que já é suficiente para preservar grande parte dos ganhos por meses. No aeróbio, devem ser mantidas duas sessões moderadas.

    Não é preciso treinar como antes, só não pode parar totalmente.

    No fim das contas: parar faz mal, mas voltar nunca é começar do zero.

    Se precisar parar, pare; mas mantenha o mínimo. Se quiser voltar, o corpo vai ajudar você

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    REFERÊNCIAS:

    McMaster, D.T.; Gill, N.; Cronin, J. et al. The Development, Retention and Decay Rates of Strength and Power in Elite Rugby Union, Rugby League and American Football. In: Sports Med. 2013, v. 43, pág. 367–384. Disponível em: <https://doi.org/10.1007/s40279-013-0031-3>.

    Staron, R.S.; Leonardi, M.J.; Karapondo, D.L.; Malicky, E.S.; Falkel, J.E. et al. Strength and skeletal muscle adaptations in heavy-resistance-trained women after detraining and retraining. In: Journal of Applied Physiology. Feb, 1991 (1985); v. 70 (2); pág.: 631-640. Disponível em: <https://doi.org/10.1152/jappl.1991.70.2.631>.

    Blocquiaux, S.; Gorski, T.; Van Roie, E. et al. The effect of resistance training, detraining and retraining on muscle strength and power, myofibre size, satellite cells and myonuclei in older men. In: Experimental Gerontology. May, 2020, v. 133:110860. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.exger.2020.110860>. Erratum in: Exp Gerontol. Jun, 2020, v. 134:110897. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.exger.2020.110897>.

    Zheng, J.; Pan, T.; Jiang, Y. et al. Effects of Short- and Long-Term Detraining on Maximal Oxygen Uptake in Athletes: A Systematic Review and Meta-Analysis. In: Bio Med Research International. Aug., 2022, Special Issue: “Monitoring and Promoting Physical Activity and Physical Fitness in All Age Groups”. Disponível em: <https://doi.org/10.1155/2022/2130993>.

    Massarotto, R.J.; Campbell, A.J.; Kreiter, E. et al. Effects of detraining on left ventricular mass in endurance-trained individuals: a systematic review and meta-analysis. In: European Journal of Preventive Cardiology. March, 2024, v. 31 (4), pág. 415-424. Disponível em: <https://doi.org/10.1093/eurjpc/zwad327>.

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    Andreza Gonçalves

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    Personal trainer (Cref 172593-G), bacharel em Educação Física e pós-graduada em Treinamento Desportivo. Instagram: @an.drezagn_personal