Voltar Cinema
Última modificação março 07, 2025

Mulheres brilham na telas e bastidores do cinema

Conheça desafios que as profissionais enfrentam no mercado audiovisual, em entrevista com Ale McHaddo

Dia internacional da Mulher 2025 Foto: iStock

Cadastre-se na Newsletter

    O sucesso do filme “Ainda Estou Aqui” (2024) nas salas de cinema e em festivais internacionais, além de toda a repercussão gerada pelas indicações do longa-metragem ao Oscar 2025, colocaram em destaque o brilhantismo de Fernanda Torres.

    Mas, é preciso lembrar que, além de grandes atrizes, o cinema nacional também é feito por mulheres que atuam nos bastidores de filmes, séries e novelas, contribuindo para o desenvolvimento do mercado audiovisual.

    Por isso, neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o Viva a Cidade presta homenagem especial às profissionais que ficam atrás das câmeras. São produtoras, roteiristas, diretoras, cenógrafas e figurinistas, entre outras funções, que emprestam seu talento, garra e criatividade à indústria cinematográfica.

    Nesse mercado, os desafios ainda são muitos, porém, a participação feminina já faz a diferença, no Brasil e no mundo. Um estudo da Universidade Estadual de San Diego, conduzido por Martha Lauzen, mostra que, em 2024, 42% dos 100 filmes mais populares nos Estados Unidos tiveram protagonistas femininas. 

    Essa participação não se limita à atuação: tomando como exemplo a premiada produção de Walter Salles, dos mais de 160 profissionais envolvidos (sem contar os atores do elenco), 75 são mulheres, o que corresponde a 46% (dados coletados no site IMDB).

    Profissionais de destaque, como Anna Muylaert, Adélia Sampaio, Daniela Thomas, Helena Soldberg, Laís Bodansky, Lucia Murat, Petra Costa, Sandra Werneck, Suzana Amaral e Tata Amaral são algumas das brasileiras que atuam por trás das câmeras e são responsáveis por trabalhos que divertem e emocionam diferentes públicos.

    Para falar sobre a carreira nesta área e o papel da mulher no mercado brasileiro, o Viva a Cidade conversa com Ale McHaddo, mulher trans, diretora de cinema e animação, roteirista, produtora e professora do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). É a diretora de “Uma Advogada Brilhante”, estrelado por Leandro Hassum, que estreou em 6 de março.

    Uma Advogada Brilhante

    Leandro Hassum, em cena de “Uma Advogada Brilhante”. Foto: Divulgação

    Ela é CEO, fundadora e sócia do 44 Toons, um dos estúdios de animação mais importantes do Brasil. Começou a carreira em 1996, com o lançamento do jogo “Adventure, o Enigma da Esfinge”, um dos mais vendidos no país naquela década. Também foi presidente da Associação Brasileira de Cinema de Animação.

    Seu primeiro longa-metragem, a animação “BugiGangue no Espaço” (2017) obteve a terceira maior renda entre os filmes do gênero no Brasil. Desde então, Ale dirige filmes de ficção, como a comédia “Amor sem Medida” (2021), da Netflix, que ficou no top 10 dos filmes em língua não inglesa em muitos países.

    Recentemente, a comédia de terror “Meu Cunhado é um Vampiro” (2023), também da Netflix, repetiu esse feito, e ficou três semanas no topo dos filmes mais assistido em língua não inglesa. 

    Nesta entrevista, Ale também analisa o protagonismo e a ascensão das mulheres no audiovisual, discute diversidade e etarismo, entre outras questões, além de falar sobre sua carreira e projetos. 

    “Eu acredito que o cinema é uma ferramenta de fusão cultural muito potente, que tem a capacidade de mudar conceitos culturais” (Ale McHaddo)

    Para a diretora, vivemos em uma época em que as mulheres estão em todos os lugares, e isso não poderia ser diferente no cinema e no audiovisual. 

    Veja a entrevista completa:

    A diretora de cinema Ale McHaddo

    Ale McHaddo é cineasta e professora da ESPM. Foto: Divulgação

     

    Viva a Cidade: Qual é a importância do trabalho da mulher no cinema e nas produções do setor audiovisual?

    Ale McHaddo: As mulheres sempre foram muito importantes no audiovisual, mas, no começo, a gente tinha mais a figura da mocinha que precisa ser salva, ou da femme fatale [mulher fatal em francês] que leva o protagonista à destruição. Demorou muito para a gente ter uma protagonista, um personagem feminino que tem uma aventura própria. A atuação de mulheres em outros departamentos, fora da história, também era bem rara no início.

    Como é a presença feminina no cinema atual? O que já mudou?

    Ale: Isso tem mudado muito, ainda bem! Cada vez mais temos mulheres na direção, por exemplo. Curiosamente, na produção dos filmes aqui no Brasil, a gente tem uma tradição de profissionais superpoderosas, que cuidam de todo o desenvolvimento, captação e levantamento dos filmes, que colocam tudo em pé, às vezes muito antes da contratação do diretor. Grandes filmes do país, que foram bem de bilheteria, tiveram mulheres como produtoras.

    Você acredita que o cinema pode colaborar para a reformulação de alguns estereótipos atribuídos às mulheres?

    Ale: O cinema tem o poder de criar modelos identitários ou aspiracionais e, com esse poder, ele pode glorificar ou estigmatizar as mulheres, colocando-as em papéis menores, como costumava acontecer até os anos 1960. Por outro lado, ele pode criar modelos e quebrar preconceitos. Por isso, eu sempre acredito que o cinema é uma ferramenta de fusão cultural muito potente, que tem a capacidade de mudar conceitos culturais que já estão amalgamados.

    A presença feminina à frente de produções ou como protagonistas e heroínas desafia o lugar da mulher e do cinema na sociedade?

    Ale: A gente vive numa época em que as mulheres estão em todos os lugares, e quando eu falo todos os lugares, eu estou falando do exército, da medicina, e acho que o cinema não seria diferente. Ele tem uma tradição muito masculina na hierarquia e na maneira como é produzido; cineasta sempre foi uma profissão bem masculina. Isso ainda se mantém em algumas equipes, mas na produção, na direção de arte e na própria direção geral isso tem mudado muito.

    Você poderia nos contar algum caso curioso que envolva a participação de mulheres no audiovisual? 

    Ale: Uma curiosidade é que, e posso até estar me repetindo aqui, mas talvez as pessoas não saibam que as mulheres frequentemente estão numa posição de poder, que é da produção. O senso comum pode nos levar a imaginar que o filme é do diretor, mas quem começa, busca financiamento e, às vezes, tem a ideia inicial, é a produtora. O Brasil tem produtoras incríveis por trás de grandes produções e filmes com bilheteria importante. Entre elas, estão a Mariza Leão, a Geórgia da Costa Araújo e a Andréa Barata Ribeiro, só para citar algumas. Essas mulheres são as responsáveis por muitos dos sucessos que a gente está acostumado a ver nos cinemas.

    Para você, o protagonismo das mulheres reflete um compromisso com a representação equitativa e igualitária?

    Ale: Acho que o protagonismo dentro nas telas vai crescer naturalmente, conforme a sociedade for se tornando mais igualitária. Quando houver maior equilíbrio, as mulheres vão aparecer mais dentro e fora das telas. Com mais mulheres na produção, direção e roteiro, naturalmente a gente vai ter personagens femininas em igual número e importância dos protagonistas masculinos.

    A mulher brasileira já é protagonista no cinema ou passou a ser valorizada? Isso se deu a partir de quando?

    Ale: As mulheres ainda não são, não têm uma representatividade ou protagonismo tão grande quanto os homens. Um dos motivos pode estar nos resultados de pesquisas recentes, que mostram que o público masculino têm resistência em torcer por protagonistas femininas, enquanto o contrário não acontece, ou seja, as mulheres aceitam bem protagonistas femininos e masculinos. Esse comportamento começa desde a infância, com meninos que não desenvolvem empatia por protagonistas femininas. Claro que é uma coisa cultural, que a gente tem de batalhar para mudar, e o cinema é uma grande ferramenta para isso. Na vida real, a mulher brasileira é uma grande protagonista. Muitas vezes, é ela quem está à frente da família, trabalhando em mais de um emprego, e inspirando filmes que conquistam o Brasil, com histórias admiráveis.

    O etarismo ainda é um grande problema na sociedade, incluindo o setor audiovisual. Você poderia falar um pouco sobre isso e comentar se acha que estamos no caminho de uma mudança?

    Ale: O etarismo é um problema em qualquer área, porque a gente vive numa sociedade que está sempre buscando o novo, o jovem e, às vezes, o mais barato. Então, muitas vezes, a gente deixa de observar e valorizar a capacidade que vem da experiência. Apesar disso, eu vejo grandes profissionais que, mesmo com mais idade, continuam tendo sucesso e uma carreira respeitada. Muitos dos filmes que a gente quer assistir são justamente aqueles com atores mais velhos, que conquistaram ‘seu nome’. Talvez a gente sinta mais o etarismo fora do elenco, em outras áreas e equipes do audiovisual.

    Gostaria de deixar um recado ou mensagem para os leitores do Viva a Cidade

    Ale: Curiosamente, estou lançando um filme, agora em março, chamado “Uma Advogada Brilhante”, que fala sobre mulher e mercado de trabalho. O protagonista, interpretado por Leandro Hassum, é um homem que está para ser demitido e é confundido com uma mulher. Com isso, ele acha que vai conseguir se destacar mais na pele de uma advogada, assume essa nova identidade, mas passa por perrengues profissionais que só as mulheres enfrentam, e acaba se dando muito mal.  

    __

    LEIA MAIS:

    Marina Barlati

    4 publicações

    Profissional graduada em Comunicação Social/Jornalismo, com MBA em Marketing Digital, vivência em jornais, revistas e assessoria de impre...