Itaú Cultural exibe “Carlos Zilio – a querela do Brasil”
Com mais de 100 peças, mostra acompanha as mudanças na forma como o artista carioca faz sua arte

Informações
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Data de inicio e término
25 mar até 06 jul
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Dias da semana e horários
Terça a sábado, das 11h às 20h | Domingos e feriados, das 11h às 19h
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Mais detalhes
A exposição “Carlos Zilio – a querela do Brasil” é a primeira retrospectiva do artista, nascido em 1944, no Rio de Janeiro. Com mais de cem obras, apresentadas em ordem cronológica, a mostra acompanha a produção de Zilio de 1966 a 2022, contando um pouco de cada fase de sua vida.
A exposição marca diferentes etapas da obra do artista, com técnicas, linguagens e suportes variados. Começa pelos trabalhos mais politizados, produzidos durante a ditadura militar, passa por peças abstratas e de experimentação, feitas a partir de uma reflexão sobre a identidade nacional e o modernismo brasileiro, e termina com o vazio e a ausência.
Exibe, ainda, cadernos de trabalho de Zilio, que nunca tinham sido expostos.
Com concepção e realização do Itaú Cultural (IC), curadoria de Paulo Miyada e projeto assinado por Fernanda Bárbara, do Escritório UNA barbara e valentim, a mostra fica em cartaz até 6 de julho.
“Carlos Zilio é um artista fundamental na arte contemporânea brasileira. Para entender seu trabalho artístico e intelectual, é preciso olhar para o contexto social, político e artístico no qual ele estava inserido”, observa Sofia Fan, gerente de Artes Visuais e Acervos do Itaú Cultural.
Para ela, a exposição é uma oportunidade para que as pessoas ampliem seu conhecimento sobre a produção do artista visual, pois a torna mais acessível para um público amplo e diverso.
“Os visitantes poderão compreender como ela se relaciona com a história recente do país e conhecer mais os diferentes movimentos artísticos com os quais o trabalho dele dialoga, da década de 1960 até hoje”, completa.
Entre as obras, chama a atenção a instalação “Atensão” (com “s”, mesmo), de 1976, que ocupa boa parte do piso 1, devido a suas grandes dimensões.
Feita com materiais de construção, como pedras, tijolos, cabos de aço e ripas de madeira, além de um metrônomo e uma bomba de compressão em metal, ela explora a tensão e a suspensão. A obra permite que o público transite por situações de equilíbrio precário, o que desafia a sua percepção.
“Esta não é uma exposição óbvia, e a vejo coerente com o projeto do Itaú Cultural de valorizar a história da arte e dos agentes que ajudaram a construir o Brasil de maneira mais autônoma”, diz o curador Paulo Miyada, para quem Zilio é um artista-cidadão “obstinadamente inquieto ou inquietamente obstinado.”
No piso 1, também estão as pinturas criadas por Zilio dos anos 1990 a 2022, além dos cadernos de trabalho inéditos. Eles facilitam a observação de algumas etapas de seu processo criativo e se conectam com os pensamentos e formas de fazer arte.
A produção de 1960 a 1980 está reunida no piso 2 do instituto, onde se encontram obras significativas da carreira do artista, como “A Querela do Brasil” (ou o diabo e o bom Deus).
Trata-se de uma pintura acrílica sobre tela, da coleção de Zilio, elaborada entre 1979 e 1980, que critica o modernismo e os estereótipos da brasilidade.
Ela é fruto da tese de doutorado do artista, defendida na França, em 1970, e identifica as influências culturais europeias, negras e indígenas na constituição da arte brasileira, a partir da análise das obras de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Portinari.
“Lute”, de 1967, é mais uma das obras emblemáticas de Zilio exposta nesse andar: é uma serigrafia sobre filme plástico e resina, condicionados em uma marmita de alumínio aberta. Ela mostra um rosto amarelo de formato indefinido, onde a palavra que batiza a obra está escrita em vermelho, em cima da boca.
O projeto era distribuir as marmitas nas fábricas, em uma tentativa de mobilizar os trabalhadores a protestar contra o autoritarismo. Mas o artista logo percebeu que se tratava de um plano de difícil execução, tanto pela grande quantidade de material que deveria produzir quanto pelo período em que viva.
Nos tempos de repressão mais forte, Zilio ficou mais engajado na luta e na resistência do que na produção artística. O momento marcou uma ruptura voluntária em sua produção – forçada, em seguida, por mais dois anos, devido à prisão.
Não por acaso, nesse mesmo piso encontra-se “Auto-retrato”, uma das primeiras produções que ele fez após sair do cárcere. A obra é uma tela em vinílica e hidrocor, de 135 com x 85 cm, onde se vê uma mancha vermelha disforme bem no centro de um fundo branco, atravessada pela palavra que lhe dá nome.
A exposição também reúne, no piso 2, 30 desenhos, feitos em folhas de papel e com caneta hidrográfica, durante a prisão, na ditadura militar, de 1970 a 1972, no Rio de Janeiro. Eles formam uma espécie de diário do cárcere, usando elementos figurativos para abordar a repressão a que ele esteve submetido.
Os tempos de Zilio
A obra de Zilio é marcada por fases distintas, que vão do enfrentamento político à introspecção e experimentação, sempre pautada por compromisso éticos, conectados com o seu tempo e orientados por seus pensamentos sobre o mundo.
Ele teve sua entrada nas artes, nos anos de 1960, impactada pela fase inicial da ditadura. Nesse momento, passou a expressar sua visão crítica de modo claro e rápido, com recursos retóricos gráficos, visuais e poéticos, integrados ao movimento da contracultura.
Após a instauração do AI-5 (Ato Institucional nº 5, editado em dezembro de 1968), que restringia as liberdades dos cidadãos, ele começou a duvidar da contundência da arte e se aprofundou no enfrentamento ao regime.
Acabou sendo baleado e preso por dois anos. Libertado na década de 1970, Zilio fez diversos experimentos para produzir uma obra que pudesse circular, driblando a censura, com mensagens críticas subliminares.
Assim, buscando uma linguagem que produzisse alegorias críticas ao país, fez uso de práticas conceituais de fotografia, recursos audiovisuais, instalações, objetos.
Também renunciou às cores e aos recursos figurativos, elaborando uma narrativa diferente da dos anos 1960. No entanto, manteve um discurso permeado pela tensão, ruptura, fragilidade e incompletude, que permeavam os sentimentos dos brasileiros.
Nessa mesma década, foi para Paris para estudar teoria e história da arte, ampliando sua visão artística para a qual passou a ter acesso livre. Voltou ao Brasil após concluir o doutorado, e publicou a tese em livro, com o título “A querela do Brasil – a questão da identidade da arte brasileira”.
No fim dos anos 1970 e início da década de 1980, o artista produziu seu primeiro grande corpo de pinturas, presentes na exposição. Nelas, reflete, absorve, digere e comenta aspectos das artes brasileira e internacional, com algumas pitadas de irreverência e muita crítica.
No mesmo período, direcionou seu ativismo ao campo acadêmico, universo ao qual dedicou décadas de sua vida. Começou a dar aula na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e na Faculdade de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Foi professor pioneiro na orientação de arte para pesquisadores, criou disciplinas, programas acadêmicos, publicações, seminários e simpósios.
A partir de 1990, iniciou uma revisão de seu modo de fazer pintura, reduziu sua paleta cromática e privilegiou o gesto, o movimento, a escala e o ritmo.
Até 2022, ano que encerra o arco da retrospectiva apresentada no IC, Zilio se desafiou a produzir o vazio, o luto, a morte e a ausência.
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