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Última modificação julho 18, 2025

Ônibus, bar e até cine pornô viram palco para teatro

Espaços não convencionais proporcionam novas experiências para o público que assiste às montagens

peças de teatro em lugares inusitados "Shakespeare Embriagado" é encenada em um bar. | Foto: Divulgação

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    Trupes de teatro vêm mudando o conceito clássico de como os espectadores assistem às montagens. Em vez do tradicional palco italiano dentro de um teatro, elas ocupam, cada vez mais, espaços não convencionais, onde um ônibus, uma casa, um bar, um contêiner ou até mesmo um cinema pornô podem servir como palco.

    Esse é o caso da montagem “Sinfonia Capital – em tempos de segunda mão”, inspirada no livro “O Fim do Homem Soviético”, da escritora bielorrussa Svetlana Alexijévich, vencedora do prêmio Nobel de Literatura de 2015.

    O local escolhido pela Cia. Les Commediens Tropicales, para a apresentação da peça, é o cine Dom José, no centro ‘velho’ de São Paulo, conhecido por exibir filmes ‘adultos’ — leia-se: pornôs.

    “Acredito que, para o público, é um encontro inusitado entre linguagens artísticas distintas, como arquitetura, teatro, música e cinema, além de aproximar gerações e histórias quase esquecidas”, diz Carlos Canhameiro, diretor do grupo, sobre a escolha do cinema.

    Para o público, pode parecer inusitado ir a um cinema adulto, ainda em funcionamento, para assistir ao espetáculo, mas para a Cia. Les Commediens Tropicales isso não é novidade, já que o espaço é sede do grupo há 15 anos.

    A propósito: a narrativa se organiza como uma sinfonia em quatro movimentos e é acompanhada por um quarteto musical, o À Deriva. O conteúdo da peça não tem relação alguma com os filmes tradicionalmente exibidos no local.

    peças em lugares inusitados

     

    De cômodo em cômodo

    O espetáculo “Uma Casa de Boneca”, dirigido por Georgette Fadel e Livia Camargo, também está em cartaz em um espaço pouco comum: uma casa, localizada no Sumaré, bairro da zona oeste de São Paulo.

    “Encenar a peça dentro de uma casa real contribui para aprofundar a experiência do público. É como na vida: se você está posicionado de um jeito, entende uma coisa; de outro, entende diferente”, afirma Georgette.

    A intenção, complementa a diretora, é fazer com que os ruídos reais da casa, provocados pela movimentação e pela proximidade física com os atores, criem uma tensão particular — o que faz do espectador quase um “voyeur” da intimidade da família.

    Na montagem, inspirada na obra de Henrik Ibsen, o público escolhe onde quer se posicionar nos cômodos para assistir às cenas, que mesclam momentos de tensão, brigas e silêncio.

    peças de teatro alternativas

     

    Ônibus e bar

    Pelo terminal Parque Dom Pedro II, no centro da capital, passam dezenas de milhares de passageiros todos os dias, para utilizar as 74 linhas de ônibus que circulam por lá.

    Apesar de todo esse movimento, o veículo que chama mais atenção não serve para o transporte, mas funciona como um palco.

    É em um ônibus adaptado que a Zózima Trupe apresenta suas montagens desde 2007, logo na entrada do terminal, sendo “A (Ré)tomada da palavra ou A mulher que não se vê” a mais recente delas.

    Segundo o diretor Anderson Maurício, a escolha não se deu pela ausência de espaços em teatros, mas por opção do grupo.

    A intenção é falar diretamente com o trabalhador, ao mesmo tempo em que o grupo democratiza o acesso às artes, por meio da descentralização da produção.

    Além disso, a estrutura também permite explorar outros ‘palcos’, já que até o teto do ônibus pode ser utilizado para a execução das cenas.

    peças de teatro alternativas

     

    Outro espetáculo, um dos maiores sucessos no teatro alternativo, acontece bem longe de um teatro, mais precisamente em um bar. É o “Shakespeare Embriagado”, com o texto clássico de “Hamlet”, de William Shakespeare.

    A nova versão, recheada de doses de álcool e muito bom humor, transforma o Coringa, bar da boêmia Vila Madalena, também na zona Oeste, em uma grande festa.

    Na peça, que é uma espécie de comédia participativa, que rompe com as convenções tradicionais, o público é convidado a, literalmente, entrar em cena.

    Alguns personagens, como o rei Claudius, são interpretados por espectadores, que influenciam o rumo da história.

    Tudo isso é regado a doses generosas de álcool, inclusive no palco. A cada sessão, um ator é sorteado para começar a apresentação após quatro shots — fazendo jus ao título da montagem.

    “É um lugar no qual as pessoas ficam à vontade para participar e mostrar seu entusiasmo, ou desaprovação, sobre o que acontece na cena. A ideia geral é que seja uma festa, que todos se divirtam”, fala Dagoberto Feliz, diretor de “Shakespeare Embriagado”, a respeito da encenação no bar.

    “Cada um tem suas funções: artistas contam a história, de maneira improvisada, e o público vai conhecendo, ou reconhecendo, toda a trama”, completa.

    Mostra

    Ocupar espaços não convencionais é uma das marcas do Teatro da Vertigem, do renomado diretor Antônio Araújo. O grupo já encenou montagens em presídio desativado, igreja, nas ruas do Bom Retiro e até no rio Tietê.

    Nos últimos anos, mais grupos vêm rompendo as limitações das caixas cênicas de espaços tradicionais como os teatros.

    De olho nessa tendência, e para fomentar a ocupação de novos espaços, foi criado em 2024 o Miacena (Mostra Internacional de Artes Cênicas em Espaços Não Convencionais e Alternativos).

    A proposta de fazer do espaço urbano um palco vivo já levou produções a prédios, ruas, praças, becos, bares, cafés, restaurantes e outros locais de São Paulo. Foram mais de 30 apresentações, além de palestras e exposições, que impactaram cerca de 10 mil pessoas.

    A segunda edição da mostra ocorre de 22 de outubro a 1º de novembro deste ano e promete, mais uma vez, criar novas formas de interação entre artistas, público e ambiente.

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    Clayton Freitas

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    Jornalista com experiência em diversos veículos de comunicação, como Estadão, Folha e VejaSP. Atuou em comunicação institucional e agências.