“Para Falar de Amor” une 100 artistas em prédio histórico
Mostra ocupa antigo Noviciado no Ipiranga e traz obras que transformam o amor em arte.
Informações
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Dias da semana e horários
Quinta e sexta, das 16h às 19h | Sábado e domingo, das 14h às 19h
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Mais detalhes
As diversas linguagens de amor, que passam pela fé, ativismo integrativo e sincronicidade, foram transformadas em obras de arte por mais de 100 artistas nacionais e internacionais, e podem ser visitadas gratuitamente na exposição “Para Falar de Amor”, com curadoria do artista Saulo di Tarso e promovida pela plataforma de produções culturais Kura por Kauê Fuoco. A mostra ocupa o histórico e recentemente reaberto prédio do Noviciado Nossa Senhora das Graças das Irmãs Salesianas, que será retrofitado pela Alfa Realty, no Ipiranga.
Saulo destaca que a proposta de “Para Falar de Amor”, busca promover encontros por meio da arte, alinhando-se à missão da plataforma Kura, por Kauê Fuoco, que se dedica à cura e ressignificação de pessoas, espaços e histórias. Em vista disso, a mostra adota diversos títulos e evidencia a arte como um meio de conexão, expressando um amor que transcende a visão romântica, manifestando-se tanto em formas visíveis quanto no sentimento e pensamento. Além disso, convida à reflexão do papel da arte, que atualmente acaba se relacionando mais com o poder e os conflitos políticos do que com a promoção da diversidade.
“A minha experiência como artista e curador é ver que o mundo, após a derrocada das fronteiras geográficas, por meio da tecnologia, ficou pequeno, mas, na verdade, ele é imenso. Com a mostra, percebemos que não conseguimos abraçar nada a nossa volta e começamos a pensar que a dimensão interior das pessoas é maior e mais rica”, destaca o curador.
Ele ainda acrescenta que a exposição é uma produção complexa, com uma temporalidade rica na arte, totalizando anos de reflexão, devido à reedição das impressões de Albrecht Dürer, com uma série de 48 obras que revolucionaram a história do Ocidente, como “Apocalipse”, “A Grande Paixão” e “A Vida da Virgem”, e que podem ser visitadas na mostra.
Kauê Fuoco, produtor cultural, artista plástico, empreendedor e idealizador do Kura, reforça que a mostra está em sintonia com a missão da plataforma. “Embora o nome da exposição pudesse parecer superficial à primeira vista, ele ressalta uma reflexão profunda sobre o amor. A construção da mostra foi pautada por essa ideia. Em nossos diálogos internos, sempre retornávamos à pergunta: ‘Qual é o começo de tudo?’ O tema ‘Falar de amor’ nos guiou. Conseguimos realizar esta exposição motivados pelo amor, com cada detalhe sendo coerente com a nossa verdade. Cada entrega foi pensada a partir dessa perspectiva”, complementa.
Exposição em cinco eixos
Com o tema pluritítulo “Para Falar de Amor”, o roteiro expositivo ocupa todos os espaços dos dois andares do histórico prédio do Noviciado das Irmãs Salesianas. O que antes era um claustro, agora se transforma em um espaço onde obras se conectam para explorar o amor e os afetos, organizadas em cinco eixos: “Todos os Nomes”, “Para Sentir a Fé”, “Ativismo Integrativo”, “Niente da Fare” e “Obra Sincronicidade”.
Logo na entrada do centenário convento, o visitante é recebido pela rica história do patrimônio, projetado em 1888 pelo arquiteto italiano e coadjutor salesiano Domenico Delpiano, cuja arquitetura eclética e traços neoclássicos encantam. A partir do hall principal, o público é convidado a refletir sobre a obra “Oxum”, criada em 2017 por João Baptista Rossi, inspirada na Gruta Azul, no Mato Grosso. Essa peça propõe um resgate da história presente no DNA das coisas, promovendo a transmutação espiritual e o resgate cultural.
A pessoa é então guiada pelo primeiro corredor do prédio, onde as obras ocupam ambos os lados. Um dos destaques é o mural da artista Cibeli Furtado, que retrata a força e o papel da mulher, utilizando a linguagem do amor para explorar o autoconhecimento. “Sempre busco abordar o autoconhecimento e o empoderamento pessoal. Muitas mulheres, ao assumirem múltiplas obrigações, como ser mãe ou estar em um relacionamento, por exemplo, podem acabar se esquecendo de si mesmas. Um dos últimos amores que aprendemos é o amor próprio”, reflete a artista sobre o significado de suas obras.
Outro destaque dessa sequência é a obra “Feathers and Wolves”, da artista visual autodidata Fernanda Romão, de São Paulo, que também contribuiu para a curadoria da exposição. Conhecida por sua abordagem autêntica e visceral, ela utiliza a imagem de lobos e aves para explorar a dualidade entre selvageria e afeto. A obra provoca uma reflexão profunda sobre os impulsos primordiais e as complexidades do amor, confrontando a tensão entre o instintivo e o acolhedor. “A obra convida a reavaliar a função da criação no mundo atual, abandonando o conforto da retórica política e abraçando a complexidade emocional do fazer artístico como forma de resistência e renovação”, explica.
Fé expressa nas realidades humanas
No piso superior, acessível por ambos os lados, encontram-se três séries de xilogravuras de Albrecht Dürer (1471 – 1528), produzidas entre 1500 e 1511. Com um total de 48 obras, essas peças foram introduzidas por Giorgio Vasari e reimpressas a partir das matrizes originais, em 1977, pelo mestre impressor Victor Ceratto, de Torino. O objetivo é criar um diálogo entre a atemporalidade e o espaço fora do museu, destacando a presença de Dürer, que revolucionou o conceito de imagem sacra e a xilogravura, em paralelo a obras de artistas brasileiros, como Guy Veloso, que também abordam a temática da fé.
Ainda entre essas obras, destacam-se as do artista Evandro Angerami, cujas peças estão em coleções permanentes de instituições internacionais, como a Associação Internacional de Gravura de Kyoto, no Japão. Suas peças convidam à reflexão sobre a natureza em uma relação espiritual, estética e existencial. “Minha obra expressa a espiritualidade através da arte, buscando contemplar o sublime e o sagrado do mundo natural como um grande lar ancestral, do qual a humanidade faz parte”, explica Angerami, que ressalta, ainda, que arte, espiritualidade e natureza são indissociáveis.
“O sincronismo entre essas obras e a trajetória de Maria, por exemplo, representa um caminho de aprendizado e educação contínua, além de uma ressurreição dos valores femininos. Raramente encontramos homens que retratam anjos como mulheres, como faz o artista Evandro Angerami”, complementa o curador Saulo di Tarso sobre as obras nessa ala da exposição.
O visitante passa também pela obra “Sincronicidade”, que apresenta 20 anos de experiências do artista e curador, reunindo obras de sua coleção e contribuições de colecionadores, como Gian Andrea Danuser. Além disso, inclui um arquivo de Saulo e Lia Cassettari, assim como trabalhos de jovens artistas italianos, Matteo Zoccolo e Leonardo Maurizio, que refletem sobre a desolação pós-pandemia e a “arte pós-pandemia”.
Entre os artistas contemporâneos, destaca-se Francisco Silva Aka Nunca, que retorna à cena após cinco anos, unindo gravura histórica ao grafite nas ruas de São Paulo. Reconhecido por seus murais na Avenida 23 de Maio e por seu trabalho em descolonização e ancestralidade, Nunca é uma figura influente de sua geração.
A mostra, em vez de narrativas românticas, apresenta o amor como uma ação estrutural da vida, promovendo reflexões sobre novos caminhos além da polarização social. A obra de Lau Guimarães, que há décadas incorpora a palavra “carinho” em contextos urbanos, também é um destaque.
Representatividade negra na arte
Ainda na parte superior do convento, o público é convidado a contemplar a dança entre o excesso e a falta, refletindo a ausência de representatividade negra na arte. A exposição “Espírito da Intimidade”, com sete artistas e peças históricas, e curada por Alice Buratto, destaca a capacidade revolucionária do amor, entrelaçando ancestralidade e efetividade para criar novas narrativas.
“Trabalhamos principalmente a questão de que amor é um ato político, é um ato que pode mudar, não é algo a que estamos sujeitos, mas é uma escolha. Além disso, escolhemos amar, escolhemos estar juntos. Com isso, trazemos muito essa questão de um espírito Sankofa, que é um conhecimento africano em que destacamos a necessidade de se conectar com nossas raízes e se pertencer”, explica Alice.